INCLUSÃO, APROVAR OU REPROVAR? QUAIS OS
PARÂMETROS...
Um dos grandes conflitos que vêm acompanhando o processo da inclusão escolar de
crianças com Necessidades Educativas Especiais (NEEs), é o da promoção. A
criança pode ser aprovada, passar para a série seguinte, sem ter aprendido tudo
o que foi ensinado? Ou tudo o que se pretendia que aprendesse? Ela pode ir
adiante sem ter atingido aquelas aprendizagens consideradas básicas no percurso
acadêmico regular, que vão variar nas diferentes séries, tais como
alfabetização e conceitos lógico-matemáticos? Ela pode seguir com uma turma que
tem outro nível de funcionamento, que está em outro patamar de aprendizagem?
Mantendo o olhar da padronização e da impossível homogeneidade que por muito
tempo regeu a escola, ficaria claro que as crianças que não atingissem
determinados objetivos, não poderiam ser aprovadas.Porém, o enfoque inclusivo
veio modificar esta forma determinista e quantitativa de definir aprendizagens
e estabelecer os parâmetros para os avanços. A análise sobre a aprovação ou
reprovação de uma criança com Síndrome de Down (ou com qualquer outra
dificuldade de aprendizagem ou deficiência) exige uma ótica qualitativa, um
levantamento dos progressos do aluno utilizando novos critérios, personalizando
ensino e avaliação e empregando parâmetros coerentes com o pensamento
inclusivo.
E que critérios são esses? O que pode e deve ser analisado antes de decidir se
uma criança passa de ano ou não? Quando falamos de inclusão, nota e rendimento
não bastam, é necessário que outros parâmetros entrem em questão (análise esta
que deveria ser comum para todas as crianças).
- na aprendizagem: a criança aprendeu alguma coisa? A resposta a esta pergunta
tem várias implicações, sendo a mais simples, caso o aluno tenha evoluído pouco
ou quase nada durante o ano letivo, a reprovação sumária. Porém, chegar ao
final do ano com um aluno que não aprendeu nada e atribuir apenas a ele e a sua
síndrome essa responsabilidade, incorre no risco de repetir erros, perpetuar
atitudes de exclusão, pois muitas vezes é a abordagem da escola que não surte
efeitos positivos sobre a criança. Inclusão e aprendizagem significam que a
criança está presente, está participando e está adquirindo conteúdos.
Toda criança pode aprender, toda criança parte de um patamar inicial e atinge
outro, cresce e se desenvolve. A socialização, padrões de condutas
comportamentais, regras sociais, certamente fazem parte das aquisições de um
aluno na escola, mas não podem ser as únicas. A criança precisa aprender,
progredir em outras áreas também, como na linguagem, nos aspectos cognitivos,
psicomotores e emocionais. Ou seja, ela pode, além dos conteúdos curriculares,
mais frequentemente submetidos a avaliações, se desenvolver nos aspectos menos
formais do ensino regular, mas que contam muito no crescimento da criança
incluída: ela pode aprender a trabalhar em grupo, a respeitar regras, a permanecer
em uma atividade por tempo cada vez maior, a reter informações, pode aumentar
seu vocabulário, melhorar sua preensão do lápis, ou aprender a esperar sua vez
no jogo. Parecem aprendizagens simples que podem passar despercebidas ou pouco
valorizadas no âmbito escolar que não tiver sensibilidade suficiente para rever
seus critérios de esforço e sucesso. Reter a criança na mesma série, portanto,
em nome de um "amadurecimento" ou maior tempo para aprender, sem
profundas modificações no que e como lhe foi ensinado e que querem que repita,
é atitude irresponsável.
Todas as crianças podem aprender, o aproveitamento escolar é individual, cada
um se beneficia de alguma forma de uma aprendizagem. Na análise qualitativa e
quantitativa da aquisição de conhecimentos de uma criança com NNEs,
incorporando aspectos informais, entrevistas, observações, valorizando o
processo e não apenas os resultados, adequando as avaliações ao processo
ensino-aprendizagem e possibilitando formas diversas de expressão do aprendido,
vamos verificar que aquisições ocorrem, que ela aprende.
Todas as crianças merecem ser avaliadas levando-se em conta suas
características pessoais de tempo e estilo de aprendizagem, seus conhecimentos
prévios e necessidades especiais e, partindo disso, merecem o estabelecimento
de um programa que respeite estes aspectos. Se o programa traçado para aquela
criança não surte o efeito desejado e esperado, o problema está no programa, e
não na criança. A escola precisa constantemente se reavaliar, se reorganizar e
redefinir objetivos e estratégias, oferecer alternativas de expressão, buscando
interesse e motivação para a aprendizagem, tanto de todos os aluno quanto da
professora.
E caso ela tenha aprendido um pouco? Não aprendeu o mesmo que os colegas, mas
aprendeu? É nesse momento que outros critérios devem ser analisados.- o
relacionamento professor/aluno: a compatibilidade entre professor e aluno ajuda
e enriquece o desenvolvimento, pois a motivação de um motiva o outro. Inclusão
é processo novo, desequilibra, transforma. Alguns professores se fortalecem,
descobrem dentro de si mesmos uma capacidade de ensinar, seja a quem for.
Outros se conscientizam de suas fraquezas, e podem ser dominados pelo desânimo,
que vai refletir no aprendizado da criança. A professora que, estimulada,
estimula seu aluno, é um dado a ser observado. Às vezes o vinculo formado entre
a professora e o aluno pode ser tão forte que escola e/ou família se vêem
tentados a manter a criança com aquela professora por mais um ano, para evitar
novas dificuldades.
Não é ideal para a inclusão nem a professora que super-protege o aluno, nem a
que subestima suas capacidades, e nem aquela que trabalha pela sua
"normalidade", esperando da criança que ela alcance os colegas. Cada
criança com SD terá suas habilidades e dificuldades, e sua aprendizagem,
respeitando seus limites, deve ser esperada e exigida. Se a professora busca
alcançar com o aluno o nível de aprendizagem do resto da turma, terá como
resultado uma frustração generalizada, tanto da criança, quanto dos pais e dela
própria. É importante, portanto, que a professora olhe para seu aluno com SD
vendo além do que ele mostra, para poder vê-lo como mais um aluno, ao qual ela
vai se adaptar para conseguir atingir com ele seu máximo potencial (que pode ser
diferente dos colegas, mas é o seu potencial. Ao invés do olhar exigente, que
vê as dificuldades, os problemas a serem enfrentados, lançar ao aluno um olhar
desafiador, que acredita, que investe no potencial e nas habilidades, e sente
orgulho a cada pequena conquista. A escola atua exigindo da criança aquilo que
estiver dentro de seu campo de possibilidades, expandindo-o.
- o relacionamento com os colegas: Ambientes heterogêneos fazem crescer. Uma
das grandes forças da inclusão é oportunizar a todas as crianças a convivência
com as diferenças, aprendendo a respeitar as dificuldades e ritmos de
aprendizagem de colegas com vários níveis de funcionamento. Este processo
também é aprendizagem, também demanda adaptações, exige que a professora
desenvolva este respeito no grupo, que valorize a diversidade e a ajuda mútua,
identificando e superando obstáculos que possam surgir. Com o passar do tempo,
a turma da criança com SD a conhece bem, sabe como ajudá-la, quando motivá-la a
fazer sozinha, entende seu modo de se comunicar. Ou não.
Pode acontecer de a criança estar em uma turma que não soube acolhê-la, não a
recebeu adequadamente, não a incluiu nas brincadeiras e festas, podendo ser
pela não-interferência da professora, ou por um funcionamento próprio do grupo.
E mesmo a turma que recebe bem e é adequada, deve ser observada para que se
verifique se não ocorre uma super-proteção e infantilização do colega com SD.
Nestes casos, a turma e sua professora precisam rever conceitos, passar por uma
reformulação, em que se privilegie o senso de colaboração mútua.
- nível de autonomia: tão importante quanto o desenvolvimento cognitivo, é a
capacidade da criança de ser autônoma, de ser independente nas atividades de
vida diária e de cuidar de suas coisas, aspectos que devem ser trabalhados e
valorizados em casa e na escola. O nível de autonomia deve ser suficiente para
que a criança não seja dependente de seus colegas e professora nos aspectos
básicos do dia-a-dia.
- linguagem: a criança com NEEs pode não entender tudo o que lhe é dito, e pode
não se expressar muito bem. O importante é que compreenda as emissões feitas de
forma adequada para ela, e que se faça entender, mesmo que não através da fala.
O modo como a criança está se comunicando é fator a ser considerado na decisão
final, levando sempre em conta que a convivência da criança com SD com outras
crianças sem dificuldades comunicativas faz com que se beneficiem com a
experiência com padrões de fala mais evoluídos, e não mais atrasados do que os
delas.
- idade dos colegas: como bem se sabe a criança com SD pode apresentar atraso
no seu desenvolvimento cognitivo e lingüístico. Porém, seu desenvolvimento
físico, fisiológico e social são coerentes com sua idade cronológica. Grandes
diferenças de idades e tamanhos entre as crianças podem comprometer os
relacionamentos, e os focos de interesse demasiadamente divergentes podem
dificultar a formação de vínculos e compatibilidades.
- comportamento da criança: distúrbios da conduta, comportamentos evitativos
como fugas da sala de aula, agressividade, incomodar os colegas ou negar-se a
fazer atividades, são sinais bastante claros de que algo não vai bem. Muitas
vezes, comportamentos inadequados podem ser a forma mais eficiente de
comunicação e inter-relação que a criança consegue estabelecer. É importante
que se avalie onde está a causa destes comportamentos: na dificuldade em
relação à aprendizagem, no relacionamento com os colegas, nas tarefas
diferenciadas, na atenção obtida, na conscientização da deficiência. Definindo
o elemento gerador do conflito, o professor pode direcionar mais adequadamente
sua decisão sobre a permanência ou não daquele aluno naquela série, além de
procurar a superação da causa detectada ou não reforçar o comportamento
negativo.
- demanda da família: cada família tem uma expectativa em relação ao seu filho
e à inclusão. Algumas famílias preferem que a criança permaneça mais tempo em
uma mesma série para alcançar aprendizagens. Outras valorizam mais o vínculo
com os colegas. Outras depositam tamanha confiança e afeto em determinada
professora, que preferem que o filho permaneça com ela por mais um ano. A
família deve ser ouvida e seus anseios analisados como mais uma variável desta
equação.
- conceitos básicos: e o que fazer quando aquisições consideradas tão
fundamentais quanto a alfabetização e conceitos lógico-matemáticos tais como
noções de quantidades e operações básicas não tiverem acontecido ainda? No que
se refere à alfabetização, devem se buscar alternativas da escrita e leitura,
adaptando-se as formas de registrar conteúdos, de expressão gráfica através de
desenhos ou colagens, da aceitação das respostas orais enquanto a palavra
escrita ainda não estiver disponível. Alfabetização é importante, mas não é
tudo. Há outros canais para aprender e para demonstrar o que foi aprendido. O
percurso da aprendizagem de crianças com SD é longo e sem limites além daqueles
estabelecidos pelos adultos. A grande maioria das pessoas com SD aprende a ler
e escrever em diferentes fases, alguns bem pequenos, outros mais próximos da
adolescência. Portanto, não podemos desistir por achar que a alfabetização não
ocorrerá, mas também não devemos reter o aluno indefinidamente numa série
esperando que esta alfabetização aconteça.
Em relação à Matemática, é preciso considerar e explorar o fato de que a
criança vive os conceitos matemáticos desde bem pequena, quando separa
carrinhos ou seleciona roupas de boneca, quando divide figurinhas ou fala da
posição das coisas, quando classifica objetos ou põe a mesa. Observar e valorizar
como estes conceitos são organizados e aplicados no dia a dia serão referências
importantes em sua aprendizagem.
- aspecto legal: toda criança tem direito de acesso, direito de permanência e
direito de progresso dentro da escola. Não há como reter um aluno
indefinidamente em uma série.
- auto-determinação: "nada por nós, sem nós". A criança pode ter sua
aprendizagem como um projeto de vida seu, e não apenas de seus pais e
professores. Ela precisa ser ouvida, estimulada para investir em si mesma, para
adquirir habilidades e fazer escolhas. Se a criança não parece ter entendido a
importância da aprendizagem em seu desenvolvimento, ela tem uma lacuna de base
a ser preenchida.
- o efeito emocional: reter uma criança que está em movimento, que está se
desenvolvendo (mesmo que pouco), que está se esforçando dentro de seus limites,
integrada e dedicada, pode funcionar como um freio, trazendo uma mensagem de
que não vai dar conta, de que não é suficiente. O resultado é a desmotivação,
pois a criança percebe que seu empenho não é valorizado.
Quando a reprovação é necessária, sendo considerada importante para o
amadurecimento e crescimento da criança, deve-se deixar claro para todos, pais,
aluno e para o próprio professor, que reprovar não é punição nem fracasso.
Uma reprovação só deverá ser considerada quando for uma medida que tem como
objetivo atender às necessidades da criança e não de fugir das dificuldades da
escola.A decisão sobre aprovar ou reprovar uma criança com necessidades
educativas especiais incluída em classe regular deve ser resultado de profunda
análise, em que se pesem todos os dados levantados, associados ao bom-senso da
escola e ao consenso dos pais e profissionais envolvidos. Como em tudo que se
refere à aprendizagem e à inclusão, não existe uma verdade única, nem uma
fórmula que defina esta decisão. O que deve existir é o respeito à criança,
resultado de um conhecimento profundo e individualizado de suas habilidades,
potenciais e necessidades específicas.
Fonte:http://profsandraparreira.blogspot.com.br/2013/09/inclusao-aprovar-ou-reprovar-quais-os.html.Acesso em:23/07/2014